sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

O Caos que Nunca Existiu: A Galáxia "Impossível" e a Nova Ordem do Universo

Uma semana após analisarmos a maior estrutura do cosmos, o James Webb nos entrega a peça que faltava: uma galáxia perfeitamente ordenada onde só deveria haver desordem.


No meu último artigo, discuti aqui no blog como a Grande Muralha Hércules-Corona Borealis desafiava os limites de tamanho permitidos pela cosmologia, sugerindo que o universo é muito mais estruturado do que pensávamos.

Muitos poderiam argumentar que aquela era uma anomalia isolada. Mas, como diz o nome deste blog, as coisas não acontecem por acaso.

Apenas alguns dias depois dessa discussão, astrônomos do Centro Nacional de Radioastrofísica da Índia (NCRA-TIFR), utilizando dados do Telescópio Espacial James Webb (JWST), anunciaram a descoberta de Alaknanda: uma galáxia que, teoricamente, não deveria existir da forma como existe.

O "Alvorecer Cósmico" não foi uma bagunça

A cronologia aceita pela ciência estabelece que o universo logo após o Big Bang (o chamado "Alvorecer Cósmico") era um lugar caótico. A matéria estava quente, colidindo e se aglutinando de forma desordenada. Galáxias dessa época deveriam ser pequenas, irregulares e "bagunçadas".

A Alaknanda destrói essa premissa.

Datada de quando o universo tinha apenas 1,5 bilhão de anos (uma "criança" em termos cósmicos), ela se apresenta como uma galáxia espiral totalmente formada e madura. Ela possui:

  • Um núcleo arredondado e estável;

  • Braços espirais organizados;

  • Um diâmetro de 30 mil anos-luz.

Para colocar em perspectiva: encontrar a Alaknanda no universo primitivo é como entrar em um berçário e encontrar um recém-nascido vestindo terno e gravata, resolvendo equações de cálculo. É uma maturidade estrutural que não condiz com a sua idade cronológica.

Eficiência Máxima: O Universo com Pressa

Os dados analisados por Rashi Jain e Yogesh Wadadekar revelam números impressionantes. Embora a Alaknanda seja menor que a nossa Via Láctea, ela é uma "fábrica" muito mais potente.

A taxa de formação de estrelas na Alaknanda é de 63 massas solares por ano. Isso é mais de 20 vezes a velocidade com que a Via Láctea cria estrelas hoje. Essa eficiência absurda sugere que o universo primitivo tinha mecanismos de organização da matéria (acréscimo de gás e estabilização de discos) muito mais rápidos e diretos do que os nossos modelos atuais de "caos lento" conseguem explicar.

A Conexão: Do Macro ao Micro

Aqui voltamos ao ponto que levantei no artigo de 28 de novembro.

  • No Macro: Temos muralhas cósmicas grandes demais para o tempo de vida do universo.

  • No Micro: Temos galáxias evoluídas demais para o tempo de vida do universo.

A descoberta da Alaknanda (Micro) valida a existência da Muralha Hércules-Corona (Macro). Ambas apontam para a mesma conclusão desconfortável para a física tradicional: o tempo não é o único fator de organização do cosmos. Existe uma "ordem oculta" ou uma física subjacente que permitiu que o universo saísse do caos para a complexidade em um piscar de olhos.

Curiosidade: O Rio do Céu

Não deixa de ser poético que os astrônomos indianos tenham batizado a galáxia de Alaknanda. O nome refere-se a um rio sagrado que ajuda a formar o Ganges. Na cultura indiana, a Via Láctea é frequentemente chamada de Mandakini (outra nascente celestial). Ao nomear essa nova galáxia em homenagem a um rio irmão, os cientistas criam um paralelo: a Alaknanda é uma "irmã perdida" da nossa galáxia, fluindo no tempo profundo, mostrando que a correnteza da evolução cósmica é muito mais forte e rápida do que imaginávamos.

O Modelo Padrão em Xeque (Novamente)

Se a Alaknanda conseguiu reunir 10 bilhões de massas solares e se organizar em espiral em poucas centenas de milhões de anos, precisamos reescrever os capítulos iniciais da história do universo.

O caos primitivo talvez nunca tenha existido da forma que pensávamos. Desde o primeiro segundo, o universo parece saber exatamente o que está fazendo — e faz isso rápido.


Saiba mais / Referências:

  • Estudo publicado na revista Astronomy & Astrophysics.

  • Dados do Telescópio Espacial James Webb (NASA/ESA/CSA).

  • Reportagens: Olhar Digital, O Globo e Veja.

Palavras Chaves: JamesWebb, Alaknanda, Cosmologia, Universo Primitivo, Astronomia , Não Por Acaso


Referências Bibliográficas:

Fonte Científica Primária:

  • Jain, R. & Wadadekar, Y. (2025). Estudo sobre a morfologia de galáxias espirais em alto redshift (z ~ 3) utilizando dados do JWST. Astronomy & Astrophysics. Publicação do National Centre for Radio Astrophysics - Tata Institute of Fundamental Research (NCRA-TIFR).

Notícias e Reportagens (Web):

  1. Olhar Digital. "James Webb encontra galáxia “impossível” no início do universo". Por Ana Luiza Figueiredo. Publicado em 03/12/2025.

  2. Veja / Almanaque de Curiosidades. "Galáxia de 12 bilhões de anos levanta questões sobre a origem do universo".

  3. Diário do Comércio. "NASA descobre nova galáxia e faz alerta mundial".

  4. Jornal O Globo. Detalhes adicionais sobre a descoberta da galáxia Alaknanda e o alvorecer cósmico.

Créditos das Imagens:

  • NASA/ESA/CSA (Telescópio Espacial James Webb)

  • I. Labbe/R. Bezanson/Alyssa Pagan (STScI)

  • Rashi Jain/Yogesh Wadadekar (NCRA-TIFR)


terça-feira, 2 de dezembro de 2025

O Mistério de M87: Quando o Impossível Acontece no Coração de um Buraco Negro*

Há algo profundamente poético em observar o invisível. Buracos negros são as criaturas mais misteriosas do cosmos — regiões onde o espaço e o tempo se curvam até o limite, e onde a física, como a conhecemos, começa a falhar.


Entre eles, M87* se destaca não apenas pelo tamanho colossal — com 6,5 bilhões de vezes a massa do Sol —, mas agora também por algo que pegou a ciência de surpresa: seu campo magnético mudou de direção em apenas quatro anos.

Um cosmos que não deveria mudar tão rápido

Na escala cósmica, quatro anos são um piscar de olhos. Galáxias levam milhões de anos para se fundir, estrelas demoram bilhões para morrer. E, no entanto, o Event Horizon Telescope (EHT) — a mesma rede global que nos deu a primeira imagem direta de um buraco negro em 2019 — observou algo inédito: entre 2017 e 2021, a orientação do campo magnético ao redor de M87* se inverteu completamente.

A princípio, parecia impossível. Pela teoria clássica, os buracos negros são objetos de uma simplicidade elegante. Essa ideia, batizada de teorema da ausência de pelos (no-hair theorem), afirma que eles são definidos apenas por três propriedades: massa, rotação e carga elétrica. Nada "extra" — nem estrutura complexa, nem um campo magnético próprio — poderia existir. Mas M87* parece rir dessa simplicidade.

O caos que vive no entorno do abismo

É verdade que o buraco negro em si pode não ter "cabelo" algum, mas o que o cerca é puro frenesi. Matéria, gás e poeira são atraídos por sua força gravitacional e giram em torno dele a velocidades próximas à da luz, formando um toro de plasma tão quente que brilha intensamente antes de ser engolido.

Esse plasma, sim, gera poderosos campos magnéticos — linhas de força que se torcem, colidem e se reconectam de maneira turbulenta. O desafio é enxergá-las. Os astrônomos fazem isso analisando a luz polarizada que escapa dessas regiões. A polarização funciona como uma bússola, revelando a orientação das linhas de campo magnético. E foi justamente aí que surgiu o espanto: o padrão da luz mudou radicalmente, revelando a inversão.

Como um ímã cósmico enlouquecido

Na Terra, o campo magnético leva centenas de milhares de anos para inverter sua polaridade. Em M87*, o evento ocorreu em apenas quatro. Isso sugere um tipo de instabilidade extrema, talvez causada por reconexões magnéticas violentas — fenômenos em que linhas de campo se rompem e se religam em novas direções, liberando energia colossal. Outra hipótese envolve a interação entre a rotação do próprio buraco negro e a do disco de matéria, gerando torções magnéticas imprevisíveis.

Essas mudanças drásticas podem estar intimamente ligadas à emissão dos jatos relativísticos que M87* lança para o espaço — colunas estreitas de plasma que viajam quase à velocidade da luz e se estendem por milhares de anos-luz.

A fronteira entre o conhecido e o impossível

A inversão magnética de M87* não destrói o teorema da ausência de pelos, mas o coloca em seu devido lugar. Ela mostra que, mesmo que o buraco negro seja simples em sua essência, o ambiente que o envolve é uma sinfonia de complexidade e instabilidade, onde a gravidade e o magnetismo dançam em uma harmonia tensa.

O físico John Wheeler, um dos formuladores do teorema, dizia que "os buracos negros não têm cabelos". Agora, os dados sugerem que, se não têm cabelos, talvez tenham um campo magnético espetado ao redor da cabeça.

Cada nova imagem capturada pelo EHT amplia o enigma. Se antes achávamos que os buracos negros eram monstros silenciosos e estáticos, agora percebemos que eles pulsam, respiram e mudam, quase como organismos cósmicos.

E talvez essa seja a lição mais profunda: o universo não é feito de certezas, mas de mistérios em movimento. M87*, o buraco negro que muda de “humor” em poucos anos, é a lembrança viva de que até o infinito pode ser imprevisível.


Sobre a Imagem: Três imagens de luz polarizada de M87* de 2017, 2018 e 2021. As imagens são diferentes, mostrando como o buraco negro está mudando ao longo do tempo. Crédito: Akiyama, Kazunori, et al.

Referências Bibliográficas:

  • The Event Horizon Telescope Collaboration. (2025). Horizon-scale variability of M87 from 2017--2021 EHT observations*. Publicado em Astronomy & Astrophysics. Acessível via arXiv:2509.24593 [astro-ph.HE].

  • Wheeler, J. A. (1971). A palestra e os trabalhos subsequentes que estabeleceram o conceito do "No-Hair Theorem" foram fundamentais para a teoria dos buracos negros ao longo da década de 1970.

Palavras-chave: Buraco Negro, M87*, Campo Magnético, Inversão Magnética, Event Horizon Telescope, Teorema da Ausência de Pelos, Astrofísica

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