sexta-feira, 21 de novembro de 2025

3I/ATLAS: Um Visitante Mais Antigo que o Próprio Sol

[Quando o "acaso" nos abre uma janela para a eternidade antes da Terra.]

Imagine uma pedra que viaja pelo vazio há mais tempo do que o nosso planeta existe. Antes de os oceanos se formarem, antes de a primeira célula se dividir, antes mesmo de o nosso Sol se acender na nebulosa primordial, este objeto já navegava na escuridão entre as estrelas.

Esta semana, a NASA confirmou o impensável: temos um novo visitante interestelar. Batizado de 3I/ATLAS, este cometa não é "daqui". Ele não nasceu na nossa vizinhança cósmica. A sua velocidade impressionante de 61 km/s e a sua trajetória desafiadora confirmam que ele é apenas um transeunte, um viajante solitário que cruzou a nossa órbita num encontro breve e único.

A Ciência do Encontro

Diferente do misterioso 'Oumuamua (2017) e do 2I/Borisov (2019), o 3I/ATLAS oferece-nos algo novo. As análises preliminares da sua composição química sugerem que ele teve origem num sistema estelar muito antigo, possivelmente formado há 7 ou 8 mil milhões de anos. Para termos de comparação, o nosso Sistema Solar tem "apenas" 4,5 mil milhões de anos.

Estamos, literalmente, a olhar para uma relíquia de uma era anterior à nossa própria génese.

Como a Terra estava do lado oposto do Sol durante a sua passagem mais próxima, precisámos de "olhos" externos. Sondas que orbitam Marte (como a MAVEN) e até a missão JUICE, que viaja rumo a Júpiter, foram redirecionadas para captar imagens deste gigante gelado. A ciência uniu esforços para não perder este vislumbre fugaz.

Não Por Acaso

O nome deste blog reflete uma inquietação constante: será que os eventos são meramente aleatórios?

Do ponto de vista puramente estatístico, a probabilidade de um objeto errante, num universo de distâncias incompreensíveis, cruzar a "pequena" zona habitável do nosso sistema solar exatamente na era em que a humanidade desenvolveu telescópios capazes de o ver, é ínfima.

Thomas Statler, cientista da NASA, chamou-lhe "uma janela para o passado profundo". Mas eu ouso ir além. A passagem do 3I/ATLAS lembra-nos da vastidão do tempo e da nossa fragilidade. Ele vagou solitário por eons (Eons (ou Éons, em português) é uma palavra usada para descrever períodos de tempo imensuravelmente longos), guardando segredos de outros sóis, apenas para passar por nós agora.

Talvez não seja apenas sorte astronómica. Talvez seja um lembrete de que o cosmos é mais vasto e antigo do que a nossa vaidade costuma admitir. Ver algo que existe desde antes da fundação do nosso mundo traz uma perspetiva de humildade — uma qualidade essencial tanto para a boa ciência quanto para a fé.

Ele veio de fora, atravessou a escuridão e, em breve, regressará a ela, para nunca mais voltar. Mas, por um breve momento, os nossos caminhos cruzaram-se. E nesse cruzamento, olhámos para o abismo do tempo, e o abismo, através do brilho ténue de um cometa, olhou de volta para nós.


Referências Bibliográficas

  • NASA/JPL. Solar System Dynamics & Interstellar Objects Observations. Release de Novembro de 2025.

  • Min, Roselyne. NASA revela novas imagens do 3I/Atlas: o que se sabe sobre o cometa? Euronews, 19 de novembro de 2025.

  • European Space Agency (ESA). Juice Mission Updates: Interstellar Flyby Observations. 2025.

  • Jewitt, D., & Luu, J. The Nature of Interstellar Objects. The Astronomical Journal (Contexto geral sobre objetos interestelares).



Curiosidades:

1º: 1I/'Oumuamua (O Mensageiro)

  • Descoberta: Outubro de 2017.

  • O que era: Um mistério. Classificado inicialmente como cometa, depois asteroide, depois "objeto interestelar". Não tinha cauda (coma) visível.

  • Características: Formato estranho e alongado (semelhante a um charuto ou panqueca), com rotação caótica. A sua aceleração não gravitacional gerou debates (alguns até especularam ser tecnologia alienígena, embora a ciência aponte para desgaseificação de hidrogênio).

  • Origem: Desconhecida, veio da direção da constelação de Lyra.

2º: 2I/Borisov (O Cometa Puro)

  • Descoberta: Agosto de 2019.

  • O que era: Um cometa "rogue" (errante).

  • Características: Ao contrário do 'Oumuamua, o Borisov comportou-se exatamente como um cometa do nosso sistema solar, soltando gases e poeira. Foi o primeiro cometa interestelar "incontestável".

  • Origem: Veio da direção da constelação de Cassiopeia. Sua composição química era muito parecida com os cometas da nossa própria vizinhança.

3º: 3I/ATLAS (O Visitante Antigo)

  • Descoberta: Julho de 2025 (Confirmado pela NASA em Nov/2025).

  • O que é: Um cometa primordial.

  • Características: Velocidade extrema (61 km/s na aproximação). Diferencia-se dos outros por sua composição química sugerir que ele é mais antigo que o Sol e a Terra.

  • Observação: Foi o primeiro a ser analisado de perto por sondas que orbitam outro planeta (Marte), e não apenas da Terra.

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