terça-feira, 2 de dezembro de 2025

O Mistério de M87: Quando o Impossível Acontece no Coração de um Buraco Negro*

Há algo profundamente poético em observar o invisível. Buracos negros são as criaturas mais misteriosas do cosmos — regiões onde o espaço e o tempo se curvam até o limite, e onde a física, como a conhecemos, começa a falhar.


Entre eles, M87* se destaca não apenas pelo tamanho colossal — com 6,5 bilhões de vezes a massa do Sol —, mas agora também por algo que pegou a ciência de surpresa: seu campo magnético mudou de direção em apenas quatro anos.

Um cosmos que não deveria mudar tão rápido

Na escala cósmica, quatro anos são um piscar de olhos. Galáxias levam milhões de anos para se fundir, estrelas demoram bilhões para morrer. E, no entanto, o Event Horizon Telescope (EHT) — a mesma rede global que nos deu a primeira imagem direta de um buraco negro em 2019 — observou algo inédito: entre 2017 e 2021, a orientação do campo magnético ao redor de M87* se inverteu completamente.

A princípio, parecia impossível. Pela teoria clássica, os buracos negros são objetos de uma simplicidade elegante. Essa ideia, batizada de teorema da ausência de pelos (no-hair theorem), afirma que eles são definidos apenas por três propriedades: massa, rotação e carga elétrica. Nada "extra" — nem estrutura complexa, nem um campo magnético próprio — poderia existir. Mas M87* parece rir dessa simplicidade.

O caos que vive no entorno do abismo

É verdade que o buraco negro em si pode não ter "cabelo" algum, mas o que o cerca é puro frenesi. Matéria, gás e poeira são atraídos por sua força gravitacional e giram em torno dele a velocidades próximas à da luz, formando um toro de plasma tão quente que brilha intensamente antes de ser engolido.

Esse plasma, sim, gera poderosos campos magnéticos — linhas de força que se torcem, colidem e se reconectam de maneira turbulenta. O desafio é enxergá-las. Os astrônomos fazem isso analisando a luz polarizada que escapa dessas regiões. A polarização funciona como uma bússola, revelando a orientação das linhas de campo magnético. E foi justamente aí que surgiu o espanto: o padrão da luz mudou radicalmente, revelando a inversão.

Como um ímã cósmico enlouquecido

Na Terra, o campo magnético leva centenas de milhares de anos para inverter sua polaridade. Em M87*, o evento ocorreu em apenas quatro. Isso sugere um tipo de instabilidade extrema, talvez causada por reconexões magnéticas violentas — fenômenos em que linhas de campo se rompem e se religam em novas direções, liberando energia colossal. Outra hipótese envolve a interação entre a rotação do próprio buraco negro e a do disco de matéria, gerando torções magnéticas imprevisíveis.

Essas mudanças drásticas podem estar intimamente ligadas à emissão dos jatos relativísticos que M87* lança para o espaço — colunas estreitas de plasma que viajam quase à velocidade da luz e se estendem por milhares de anos-luz.

A fronteira entre o conhecido e o impossível

A inversão magnética de M87* não destrói o teorema da ausência de pelos, mas o coloca em seu devido lugar. Ela mostra que, mesmo que o buraco negro seja simples em sua essência, o ambiente que o envolve é uma sinfonia de complexidade e instabilidade, onde a gravidade e o magnetismo dançam em uma harmonia tensa.

O físico John Wheeler, um dos formuladores do teorema, dizia que "os buracos negros não têm cabelos". Agora, os dados sugerem que, se não têm cabelos, talvez tenham um campo magnético espetado ao redor da cabeça.

Cada nova imagem capturada pelo EHT amplia o enigma. Se antes achávamos que os buracos negros eram monstros silenciosos e estáticos, agora percebemos que eles pulsam, respiram e mudam, quase como organismos cósmicos.

E talvez essa seja a lição mais profunda: o universo não é feito de certezas, mas de mistérios em movimento. M87*, o buraco negro que muda de “humor” em poucos anos, é a lembrança viva de que até o infinito pode ser imprevisível.


Sobre a Imagem: Três imagens de luz polarizada de M87* de 2017, 2018 e 2021. As imagens são diferentes, mostrando como o buraco negro está mudando ao longo do tempo. Crédito: Akiyama, Kazunori, et al.

Referências Bibliográficas:

  • The Event Horizon Telescope Collaboration. (2025). Horizon-scale variability of M87 from 2017--2021 EHT observations*. Publicado em Astronomy & Astrophysics. Acessível via arXiv:2509.24593 [astro-ph.HE].

  • Wheeler, J. A. (1971). A palestra e os trabalhos subsequentes que estabeleceram o conceito do "No-Hair Theorem" foram fundamentais para a teoria dos buracos negros ao longo da década de 1970.

Palavras-chave: Buraco Negro, M87*, Campo Magnético, Inversão Magnética, Event Horizon Telescope, Teorema da Ausência de Pelos, Astrofísica

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